CARACTERES, SÍMBOLOS & REPERTÓRIOS ORDENADOS
Considere um repertório de três símbolos ordenado arbitrariamente. Imagine cada símbolo representado por um caracter - por exemplo, '$', '#' e '&'. Esta escolha é uma questão de comodidade. Conhecemos uma infinidade de repertórios ordenados de símbolos que representam conjuntos igualmente conhecidos, entre os quais 'dó-ré-mi-fá-sol-lá-si', 'a-e-i-o-u', 'mercúrio-vênus-terra-marte-etc.', '1-2-3-4-5-etc.'. Cada símbolo possui um único sucessor e um único antecessor e, para os conjuntos finitos, o 'último' elemento do repertório serve de antecessor para o 'primeiro', assim como dizemos que a primeira hora da madrugada sucede a meia-noite. No repertório proposto, vamos considerar o caracter $ antecessor imediato do caracter #; o # antecessor do caracter &; e o & antecessor pelo caracter $ já mencionado. Percorrendo indefinidamente o ciclo, teríamos
... --> $ --> # --> & --> $ --> # --> & --> $ --> # --> & --> $ --> # --> & --> $ --> # --> & --> ...
Independentemente da ordem arbitrada, apenas pelo fato de serem reconhecíveis como diferentes entre si, cada um desses símbolos pode ser usado para representar coisas ou acontecimentos diferentes. Ou, dito de outro modo, às diferenças entre os símbolos correspondem diferenças entre coisas ou acontecimentos. Supondo um mesmo contexto, quanto mais símbolos diferentes (caracteres diferentes ou combinações diferentes de caracteres), mais diferenças podemos representar. E se é verdade que comunicação e pensamento dependem de representações de diferenças, torna-se evidente a dependência - permissões, omissões, interdições, etc. - que certo regime simbólico (isto é, em maior ou menor grau, uma 'linguagem') impõe sobre a compreensão possível.
Esta questão da ligação do nome à coisa - e da representação das diferenças –, além de antiga, está longe de ser simples, como se sabe. Seguramente anterior ao Crátilo de Platão, é tema de toda semiologia, do estruturalismo, da linguística, e, ao fim e ao cabo, de toda filosofia (Platão, Descartes, Leibniz, Saussure, Peirce, Wittgenstein, Benjamin, Nöth, etc.)
Voltando ao repertório proposto, podemos, em um primeiro momento, fazer com que cada símbolo represente uma ou mais ocorrências de uma mesma coisa ou acontecimento. Uma representação válida utilizando apenas um caracter por ocorrência (isto é, um caracter por coisa representada) seria, por exemplo:
$, #, #, &
A sequência acima indica, lendo da esquerda para a direita, uma ocorrência da coisa representada por '$', duas ocorrências da simbolizada por '#' e uma ocorrência daquilo que '&' representa. A vírgula seguida de um espaço representa a separação das ocorrências, o pula-linha pode ser um separador - e o separador também é um símbolo. Neste exemplo, como cada símbolo corresponde sempre ao mesmo número de caracteres (no caso, a apenas um caracter por símbolo), podemos escrever simplesmente $##& sem as vírgulas, lembrando que a separação - agora implícita - não deixou de existir, apenas se omitiu por desnecessária a sua representação simbólica.
Os elementos implícitos (e mesmo alguns explícitos) se constituem através do processo de escrita, como se novos 'caracteres' (signos e vestígios) se fossem desenhando à medida que a escritura progride. Também implícitas estão a progressão horizontal da escrita e a direção da leitura (da esquerda para a direita, de cima para baixo, verso da página à esquerda). Aqui aparecem outros problemas, talvez ainda mais difíceis. Alguns derivados da consideração do que está e do que não está implícito nas representações, das tendências e hábitos de interpretação, do contexto; e as questões de 'espaço' (mancha, posição, distância, etc.), 'margem, objeto e fundo', 'boa continuidade', 'pregnância' e outras noções ligadas à Gestalt, apenas para mencionar uns quantos.
Outra 'frase' válida no mesmo sistema e repertório seria:
&, $, $
que significa uma ocorrência da coisa simbolizada por '&' e duas ocorrências da simbolizada por '$'.
Outro exemplo:
#
significando uma ocorrência da coisa simbolizada por '#'.
Assim, cada ocorrência é indicada por um símbolo usado como signo de alguma coisa: símbolos diferentes, diferentes ocorrências de coisas diferentes; símbolos iguais, ocorrências diferentes da mesma coisa.
Atribuímos uma ordem (antecessor-sucessor) para os caracteres do repertório, de modo a 'ordenar' as coisas referidas (que podem não guardar qualquer relação umas com as outras) de acordo com aquela ordem convencional dos referentes.
Nos exemplos acima, temos, por um lado, um repertório com três símbolos diferentes escritos com um caracter cada; e, além disso, cada ocorrência é indicada por 1 caracter isolado. Logo, podemos usar esses três caracteres para simbolizar no máximo TRÊS coisas diferentes (
UNUM NOMEN UNUM NOMINATUM: ver
Referir: ref. 'referir').
Para representar mais de três coisas diferentes (suponha que dispomos de apenas três caracteres elementares diferentes), precisamos associar os caracteres em um número fixo ou variável de posições (duas, três ou mais), cada arranjo diferente simbolizando uma coisa diferente. Nos exemplos seguintes, vamos considerar um número fixo de posições para cada símbolo (composto de vários caracteres).
Usando duas posições, '&&' corresponde a um símbolo. O símbolo '&&' representa algo diferente de '#$', e diferente de '$#'. Aqui, posições e caracteres são elementos com que podemos construir símbolos para representar coisas ou acontecimentos.
O repertório (aqui não está necessariamente ordenado) completo de símbolos formados por três caracteres elementares em duas posições ordenadas é:
## $$ && #$ #& $# $& &$
Através de uma regra para a associação, podemos ordenar cada símbolo de duas posições no conjunto de possibilidades de símbolos (construídos com um repertório de três caracteres em duas posições). Em primeiro lugar, os caracteres elementares devem estar ordenados em um ciclo que nos permita apontar o sucessor e o antecessor de qualquer caracter específico.
Regra: dado um padrão inicial, cada caracter mais à direita da associação deve ser substituído pelo seu caracter 'sucessor' no símbolo seguinte do repertório, e que, no caso de esta próxima associação já haver sido atribuída, substituímos pelo sucessor também o caracter imediatamente à esquerda da associação.
(Certamente, este não é o único método para ordenar as associações. Veja, por exemplo
)
Esta mesma 'regra de associação de caracteres' (capaz de gerar ordenadamente todos os símbolos de um repertório de n caracteres alternativos em p posições) é a que se aplica aos padrões decimais. Por exemplo, para gerar o repertório completo de símbolos formados por 10 caracteres alternativos (ordenados de 0 a 9) em 3 posições (centena, dezena, unidade):
000 001 002 003 004 005 006 007 008 009
(Veja que o 'sucessor-candidato' de 009 é 000, mas como 000 já foi usado, 010 é o sucessor de 009)
010 011 012 013 014 015 016 017 018 019
(O 'sucessor-candidato' de 019 é 010, mas como 010 já foi usado, 020 é o sucessor de 009) etc.
Observe as transições de cada dígito, começando no padrão decimal de três dígitos '090', segundo a regra:
(leia '>' como 'torna-se', assim: zero nove zero_torna-se_um, zero nove um_torna-se_dois, etc.)
0 9 0>1 0 9 1>2 0 9 2>3 0 9 3>4 0 9 4>5 0 9 5>6 0 9 6>7 0 9 7>8 0 9 8>9 0 9 9>0 0 9>0 0 0>1 0 0
(O 'sucessor-candidato' de 099 é 090, mas como 090 já foi usado, seguimos com 000; como 000 já foi usado, 100 é o sucessor de 099)
E assim por diante.
Seguindo a mesma regra de geração, temos, com 3 caracteres alternativos ($, #, &) em 2 posições, o seguinte repertório ordenado de NOVE símbolos:
$$ $# __ __ __ __ __ __ __
De modo análogo, se dispuséssemos de apenas 2 caracteres alternativos ($ e #), ao construir símbolos com 3 posições, obteríamos o repertório ordenado:
$$$ $$# $#$ ...
com OITO símbolos diferentes (isto é, um tal repertório de símbolos poderia simbolizar até OITO coisas diferentes)
início
acima
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próximo