PARTE I: METÁLOGOS - Gregory Bateson DEFINIÇÃO: Um metálogo é uma conversa sobre um assunto problemático. Essa conversa deveria se realizar de tal modo que não apenas os participantes realmente discutam o problema, mas a estrutura da conversa como um todo também é relevante para o mesmo assunto. Apenas algumas das conversas aqui apresentadas alcançam esse duplo formato. Notavelmente, a história da teoria evolutiva é inevitavelmente um metálogo entre o homem e a natureza, em que a criação e a interação de ideias deve necessariamente exemplificar o processo evolutivo. METÁLOGO: POR QUE AS COISAS FICAM BAGUNÇADAS? [Escrito em 1948; nào publicado anteriormente.] Filha: Papai, por que as coisas ficam bagunçadas? Pai: () que você quer dizer? Coisas? Bagunçadas? F: Bom, as pessoas passam muito tempo arrumando as coisas, mas elas nunca parecem passar tempo bagunçando-as. As coisas parecem bagunçar-se por si só. E entào as pessoas têm de arrumá-las de novo. P: Mas as suas coisas se bagunçam se você nào as toca? F: Não - não se ninguém as toca. Mas se você as toca - ou se qualquer um as toca - elas ficam bagunçadas, e é uma bagunça muito pior se nào sou eu a tocá-las. P: Sim - e é por isso que eu tento evitar que você toque as coisas na minha mesa. Porque minhas coisas ficam muito mais bagunçadas se são tocadas por alguém que nào eu. F: Mas as pessoas sempre bagunçam as coisas das outras? Por que fazem isso, papai? P: Então, espere um pouco. Nào é tào simples. Em primeiro lugar, o que quer dizer por“bagunça”? F: Eu quero dizer - quando não consigo encontrar as coisas, e entào tudo parece bagunçado. Do jeito que fica quando nada está em seu lugar. P: Bem, mas você tem certeza que atribui o mesmo significado a “bagunça” que qualquer um atribuiria? F: Mas, papai, eu tenho certeza que sim - porque não sou uma pessoa muito organizada, e se eu digo que as coisas estão uma bagunça, então tenho certeza que todo mundo concordaria comigo. P: Está bem - mas você acredita que atribui o mesmo significado a “organizada” que as outras pessoas? Se a sua mãe organiza as coisas, você sabe onde poderá encontrá-las? F: Hmm... às vezes - porque, veja, eu sei onde ela põe as coisas quando as arruma. P: Sim, eu tento mantê-la à distância da minha mesa também. Eu tenho certeza que ela e eu não concordamos quanto ao significado de “organizado”. F: Papai, você e eu queremos dizer a mesma coisa por “organizado”? P: Eu duvido, querida - duvido. F: Mas, papai, isso nào é engraçado - que todos querem dizer a mesma coisa por “bagunçado”, mas todo mundo quer dizer algo diferente por “organizado”. Mas “organizado” é o oposto de “bagunçado”, nào é? P: Agora estamos chegando a perguntas mais difíceis. Vamos começar de novo, pelo início. Você disse “por que as coisas ficam bagunçadas?”. Entào demos um passo, ou dois - e mudemos a questão para “por que as coisas ficam em um estado que Cathy chama de 'nào organizado'?”. Você percebe por que quero fazer essa mudança? F: ...Sim, acho que sim - porque se tenho um significado especial para “organizado” então algumas das “organizações” das outras pessoas parecerão bagunças para mim - mesmo que concordemos a respeito da maior parte do que se chama “bagunça”. P: Isso mesmo. Agora - vejamos o que você chama de “organizado”. Quando a sua caixa de tintas está em um lugar organizado, onde ela está? F: Aqui na ponta da carteira. P: Certo - agora, e se estivesse em qualquer outro lugar? F: Não, entào nào estaria organizado. P: E quanto à outra ponta da carteira, aqui? Desse jeito? F: Não, nào é o lugar a que ela pertence, e de todo modo ela deveria estar reta, não toda torta como você a colocou. P: Oh - no lugar certo e reta. F: Sim. P: Bem, isso significa que há apenas pouquíssimos lugares que são “organizados” para a sua caixa de tintas. F: Apenas um lugar. P: Não - pouquíssimos lugares, porque se eu movê-la um tantinho, desse jeito, ainda esta organizado. F: Está bem - mas poucos, pouquíssimos lugares. P: Está bem, poucos, pouquíssimos lugares. Agora, e quanto ao urso e à boneca, e o Mágico de Oz, e seu suéter, e seus sapatos? E o mesmo para todas as coisas, nào é, que cada coisa tem apenas poucos, pouquíssimos lugares que são “organizados” para aquela coisa? F: Sim, papai - mas o Mágico de Oz poderia estar em qulquer lugar naquela prateleira. E papai - você sabe? Eu odeio, odeio quando meus livros ficam todos misturados com os seus e os da mamãe. P: Sim, eu sei. (Pausa) F: Papai, você nào terminou. Por que as minhas coisas ficam de um jeito que eu digo que nào é organizado? P: Mas eu terminei - é apenas porque há mais maneiras que você chama de “desorganizadas” que às que você chama de “organizadas”. F: Mas essa não é uma razão do porquê. P: Mas, sim, é sim. E é a real e a única e muito importante razão. F: Oh, papai! Pare! P: Nào, eu nào estou brincando. Essa é a razão, e toda a ciência está ligada a essa razão. Tomemos outro exemplo. Se eu puser um pouco de areia no fundo dessa xícara, e puser um pouco de açúcar, e depois mexer com uma colher, a areia e o açúcar ficarão misturados, certo? F: Sim, mas, papai, é justo passar a falar em “misturados” quando começamos com “bagunçados”? P: Hmm... Estou me perguntando., mas acho que sim - Sim - porque digamos que encontremos alguém que considera mais organizado ter toda a areia sob o açúcar. E se você quiser, eu direi que eu gostaria dessa maneira. F: Hmm.. P: Está bem - tome outro exemplo. As vezes nos filmes você vê um monte de letras do alfabeto, todas espalhadas sobre a tela, todas desordenadas e algumas ainda de cabeça para baixo. E então alguma coisa mexe na mesa e as letras começam a se mover, e então enquanto esse remelexo continua, todas as letras se juntam para formar o título do filme. F: Sim, eu já vi isso - elas formaram DONALD. P: Não importa o que elas formaram. O ponto é que você viu algo se misturando e se mexendo, e ao invés de ficar mais misturado que antes, as letras se uniram em uma ordem, correta, e formaram uma palavra - elas criaram o que muitas pessoas concordariam que seja o sentido. F: Sim, papai, mas você sabe... P: Não, eu nào sei; o que estou tentando dizer é que no mundo real as coisas nunca acontecem desse jeito. E somente nos filmes. F: Mas, papai... P: Eu lhe digo que é somente nos filmes que você pode mexer as coisas e elas parecem tomar maior ordem e sentido do que tinha antes.. F: Mas, papai... P: Espere até eu terminar dessa vez... E eles fazem as coisas parecer assim nos filmes fazendo tudo de trás para frente. Eles põem todas as letras em ordem formando DONALD e entào ligam a câmera, e então começam a mexer a mesa. F: Oh, papai - eu sabia disso e eu queria lhe contar - e entào quando eles rodam o filme, eles rodam de trás para frente para que então pareça que as coisas tenham se passado de frente para trás. Mas, de fato, o movimento aconteceu de trás para frente. E eles têm de fotografá-lo de cabeça para baixo... Por que, papai? P: Ah, meu Deus. F: Por que eles têm de pôr a câmera de cabeça para baixo, papai? P: Não, não vou responder a essa pergunta auora porque estamos no meio de uma questão sobre bagunça. F: Oh - está bem, mas nào se esqueça, papai, você tem de responder a essa pergunta sobre a câmera outro dia. Não se esqueça! Você não se esquecerá, certo, papai? Porque eu posso não me lembrar. Por favor, papai. P: Certo - mas outro dia. Agora, onde estávamos nós? Sim, sobre as coisas nunca acontecerem de trás para frente. E eu estava tentando lhe dizer por que é uma razão para as coisas acontecerem de uma certa maneira, se pudermos demonstrar que tal maneira tem mais modos de acontecer que outras maneiras. F: Papai - nào comece a falar disparates. P: Nào estou falando disparates. Vamos começar de novo. Há apenas um modo de formar DONALD. Certo? F: Sim. P: Certo. E há milhões e milhões e milhões de maneiras de espalhar seis letras na mesa. Certo? F: Sim, eu suponho. Alguma delas pode estar de cabeça para baixo? P: Sim - apenas do jeito desordenado de bagunça em que estavam no filme. Mas poderia haver milhões e milhões e milhões de bagunças como aquela, não poderia? E apenas um DONALD? F: Certo - sim. Mas, papai, as mesmas letras poderiam formar VELHO [OLDJ DAN. P: Nào importa. As pessoas do filme nào querem formar VELHO DAN. Apenas querem DONALD. F: Por que eles querem? P: Danem-se as pessoas do filme. F: Mas você as mencionou primeiro, papai. P: Sim - mas isso foi para tentar lhe dizer por que as coisas acontecem desse jeito no qual há muitas maneiras de acontecimento. E agora é hora de você ir para a cama. F: Mas, papai, você não terminou de contar por que as coisas acontecem desse jeito - o jeito que tem mais maneiras. P: Está bem. Mas não comece mais nenhum pique-pega - um já é mais que suficiente. De todo modo, estou cansado de DONALD, tomemos outro exemplo. Vamos pensar sobre as moedas que arremessamos. F: Papai? Você ainda está falando sobre a questão com a qual começamos? “Por que as coisas ficam bagunçadas?” P: Sim. F: Então, papai, é verdade o que está tentando dizer sobre moedas, e sobre DONALD, e sobre areia e açúcar, e sobre minha caixa de tintas? P: Sim - isso mesmo. F: Oh - eu apenas estava me perguntando, só isso. P: Agora, vamos ver se consigo me expressar dessa vez. Vamos voltar à areia e ao açúcar, e vamos supor que alguém diga que se deixar a areia no fundo está “organizado” ou “arrumado”. F: Papai, alguém tem de dizer algo assim antes que você continue a falar sobre como as coisas ficarão misturadas se você mexer nelas? P: Sim - esse é mesmo o ponto. Eles dizem o que esperam que irá acontecer e entào lhes digo que não irá, porque há tantas outras coisas que podem acontecer. E eu sei que é mais provável que uma das muitas coisas aconteça, e nem uma das poucas. F: Papai, você é apenas um velho agenciador de apostas, apoiando todos os outros cavalos contra o único em que quero apostar. P: Isso mesmo, minha querida. Eu os tomo para apostar no que chamam de jeito “organizado” - eu sei que há muitos e infinitos modos de bagunça - entào as coisas sempre irào em direção à bagunça e à mistura. F: Mas por que nào disse isso no início, papai? Eu poderia ter entendido logo. P: Sim, suponho que sim. De todo modo, é hora de você ir para a cama. F: Papai, por que os adultos fazem guerras, ao invés de brigar do mesmo modo que as crianças? P: Nào - hora de ir para a cama. Falaremos sobre a guerra em uma outra hora.